março 21, 2007

Arte e violência

Se o videogame é mesmo um meio de comunicação e um elemento de cultura, por que poucos assuntos relevantes aparecem na forma de games? Onde estão os games sobre assuntos sérios como, por exemplo, o Holocausto nazista?

Claro que existem dezenas de jogos sobre a Segunda Guerra, mas estes têm foco apenas na violência: são na grande maioria FPSs onde o jogador é sempre um soldado lutando no campo de batalha.

Não que exista algo errado com jogos assim, eu mesmo sou um fã das séries Call of Duty e Medal of Honor, mas por que o protagonista sempre deve ter uma arma? Por que não existe um personagem de videogames como o impotente Wladyslaw Szpilman no filme O Pianista: um artista tentando sobreviver em um mundo que de repente virou de pernas pro ar? Ou como Guido Orefice em A Vida é Bela, um pai de família que é obrigado a colocar seu próprio sofrimento de lado para proteger o filho dos horrores da guerra?

Foto: Guy Ferrandis, 2002.

Há dezenas de outros assuntos que envolvem um cenário de guerra, não somente a parte onde os soldados atiram uns nos outros. Todos os outros meios de comunicação já perceberam isso, apenas os videogames insistem em nos trazer somente o lado violento (o que só favorece discursos conservadores como os do maluquinho Jack Thompson).

Mas será que jogar com personagens tão humanos e impotentes continuaria sendo divertido? Afinal, grande parte da graça de interpretar o papel do herói nos videogames é poder salvar o dia. Muitas narrativas fortes da literatura e do cinema culminam na morte do personagem principal, o que na grande maioria dos jogos equivale a perder o jogo. Porém, como já falamos aqui, as vezes perder é ganhar.

David Edery escreveu um pequeno artigo sobre "Depressing" Games que questiona se jogos onde o jogador não é necessariamente o herói seriam ou não sucessos de venda, mas, como ninguém tentou algo desse tipo ainda, não há como saber. De qualquer forma uma produção que almeje algum valor artístico não deveria ser guiada meramente por retorno financeiro.

Para piorar, muitas pessoas envolvidas diretamente com grandes produções enxergam os videogames apenas como produtos, e não vêem o meio como uma potencial forma de arte. Vale a pena conferir este artigo sobre o assunto no Gamasutra que questiona pela enésima vez se videogames são ou não arte.

Independente de ser arte ou não, é preciso aumentar a gama de assuntos tratados nos videogames. Há uma repetição temática muito grande, e muitos apelam exclusivamente para a violência.

Chris Crawford no livro Chris Crawford on Game Design diz que é preciso promover uma “evolução do gosto” nos videogames. Para ele os videogames se encontram em um estágio comparável ao dos doces e balas, comidas divertidas e de gosto intenso que agradam o paladar infantil. E da mesma forma que uma pessoa cresce e deixa de gostar somente de doces para experimentar os mais diversos tipos de culinárias, os videogames precisam também crescer e buscar novos sabores.

"Violência nos games é como Wagner tocado por 18 horas com os graves ligados no máximo. É como cereal de chocolate em leite achocolatado com respingos de chocolate e bombons de chocolate no topo. [...] É exagerado. É tanto da mesma coisa que se torna desagradável." (CRAWFORD, 2003)

3 comentários:

Alexandre Maravalhas disse...

Primeiro, há um "copiar e colar" muito forte na indústria. Um jogo faz sucesso e vários clones são recriados, até o esgotamento.

Segundo, esse mesmo tipo de indústria acaba por "formar" jovens jogadores de video game acostumados com essas mecânicas populares. É como um fastfood de games. (Procuremos saber aqui se os jogos tidos como alternativos, com universos próprios ou com toques de jogos-arte, como ICO, Katamari ou Okami, foram sucesso junto ao público.)

Ainda existe a questão da objetividade. A realidade e superficialidade dos jogos de ação atuais - poderiamos excluir aqui os RPGs - têm limitações quanto a sutilezas de ações executadas pelo personagem. Isso tanto tem a ver com criatividade, como com interatividade e também de gosto pessoal (preferência do grande público).

Veja o exemplo de Fable, onde seu personagem começa criança no início do jogo, mas logo a história é transposta para uma idade mais avançada. De qualquer forma, seus atos durante sua vida irão, cada vez mais, determinar sua personalidade no jogo. O limite desse conceito chega ao ponto de apresentar auréola ou chifrinhos no personagem!

Acho que os jogos poderia ter mais ou múltiplas possibilidades, de acordo com as ações do jogador; a repetição de situações chega a irritar.

Lucas Haeser disse...

Concordo Alexo, mas felizmente muitos desenvolvedores estão acordando.

Só discordo da parte onde você exclui os RPGs de serem superficiais, ele é ainda um gênero cheio de clichês: irmão gêmeo maligno, inimigo que vira seu amigo, capa e espada etc...

Mas essa é a impressão de um cara que não joga um bom RPG há tempos. =)

Epaminondas disse...

Eu (confesso) ainda não terminei ICO, mas poderia citar Shadow of the Colossus como um game que no final... bem... não vou contar o final, mas quem jogou e terminou sabe o destino do nosso "herói"... ou será que não? hum...

Além do mal estar que muitas pessoas (inclusive eu) sentiram ao ter que matar alguns dos colossus que sequer lhe atacaram e nada lhe fizeram de mal... enfim... é um começo.(?)